Esquema investigado pelo Gaeco envolvia preços irreais, notas fiscais frias e favorecimento de empresa em pregões eletrônicos
A denúncia de fraude nas licitações da merenda escolar em Água Clara, a 193 km de Campo Grande, aponta um esquema que levava concorrentes ao desespero. A empresa Zellitec Comércio de Produtos Alimentícios, de Campo Grande, apresentava preços tão abaixo do mercado que muitos participantes classificavam os valores como “inexequíveis” e “fora da realidade”.
A investigação é conduzida pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) e pelo Gecoc (Grupo Especial de Combate à Corrupção), dentro da operação Malebolge. O nome da operação faz referência à obra “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, onde corruptos são castigados no inferno.
Apesar das reclamações, os lances absurdamente baixos da Zellitec continuavam vencendo, já que o esquema envolvia até servidoras públicas. Em um dos casos mais emblemáticos, uma nota fiscal foi emitida com músculo moído a R$ 8 o quilo e acém em tiras a R$ 9. Diante das reclamações, a nota foi cancelada no dia seguinte. O dono da empresa, Mauro Mayer da Silva, reclamou: “Cair em pressão de concorrente, sacanagem hein”.
Segundo o Gaeco, a fraude se repetia ao longo dos anos com pedidos desproporcionais. Um exemplo foi a previsão de uma tonelada de açafrão, 15 toneladas de açúcar e três toneladas de amido de milho — este último cotado a R$ 21,97, mas arrematado por apenas R$ 6,69.
A licitação em questão previa a compra de mais de 100 toneladas de carnes em 2024, incluindo cortes como patinho moído, miolo de paleta, coxa e sobrecoxa de frango, peito de frango e filé de tilápia. O patinho moído, por exemplo, caiu de R$ 39,29 para R$ 13,95 o quilo — uma redução de 64%. Já o miolo de paleta caiu de R$ 30,12 para o mesmo valor: R$ 13,95.
Além dos preços suspeitos, as investigações revelaram o uso de notas fiscais falsas com valores artificialmente reduzidos. A manipulação foi tamanha que concorrentes ameaçaram acionar o Ministério Público. Mesmo assim, as práticas continuaram, segundo o Gaeco, desde 2022 até 2025.
A lista de crimes atribuídos ao grupo é extensa: organização criminosa, fraude à licitação, peculato, corrupção passiva, corrupção ativa, falsidade documental e uso de documentos falsos. O Ministério Público de Mato Grosso do Sul pede indenização mínima de R$ 22 milhões — metade pelos prejuízos ao município e os outros R$ 11 milhões por danos materiais coletivos.