Levantamento da UFMS revela que mais de um quarto do território homologado está em cadastros privados (INCRA e CAR), evidenciando a pressão fundiária e a omissão estatal. A pesquisa associa o avanço da pecuária à grilagem e aos incêndios que destruíram metade da área indígena em 2024.
Três anos após a criação do Ministério para os Povos Originários, a situação da Terra Indígena Kadiwéu (MS) evidencia a lenta marcha das demarcações e a dificuldade do governo federal em proteger territórios já homologados. Dados recentes revelam que mais de um quarto (26,6%) do território está oficialmente sobreposto por registros privados em órgãos públicos.
Um levantamento inédito, realizado pelo geógrafo Marcelo Ribeiro Mendonça (doutorando da UFMS/CPTL), identificou 116.458 hectares de propriedades cadastradas no INCRA e no CAR que se sobrepõem à TI Kadiwéu.
🔥 Fogo como Instrumento de Disputa
O estudo aponta um cenário de grilagem ativa, pressão fundiária e avanço de pastagens. Esse quadro ajuda a explicar por que metade da terra indígena queimou em 2024, no maior incêndio já registrado.
Mendonça, que foca sua pesquisa no Pantanal do Nabileque, a região que mais queima no bioma, afirma que o fogo não pode ser atribuído apenas à estiagem.
“Os dados geoespaciais apontam que o fogo ocorre onde existe disputa pela terra, avanço pecuário e presença de pastagens exóticas.”
A análise mostra que a devastação, acelerada a partir de 2019, reflete a combinação de vulnerabilidade ambiental, pressão econômica e omissão do Estado.
📉 Perda de Ambientes Naturais
Entre 1985 e 2024, a TI Kadiwéu perdeu 52.885 hectares de ambientes naturais (florestas, savanas e áreas alagadas). No mesmo período, as áreas abertas para a pecuária avançaram 51.669 hectares.
Os dados mais dramáticos incluem:
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Rios e Lagos: Redução drástica de 9.917 hectares para apenas 39 hectares.
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Campos Alagados: Redução de 16.855 para 1.119 hectares.
Em 2024, o fogo atingiu 273.032 hectares do território, equivalentes a 50,7% da área total.
📜 Ausência Estatal e Grilagem
A pesquisa identificou seis fazendas cadastradas no INCRA (somando 19.940 hectares) totalmente sobrepostas ao território indígena, além de 96.518 hectares sobrepostos no CAR (Cadastro Ambiental Rural). A placa oficial que sinaliza o limite da Terra Indígena, inclusive, está perfurada por tiros, um símbolo da contestação da presença indígena.
A omissão histórica do Estado e a falta de cruzamento entre os sistemas fundiários permitem que áreas demarcadas permaneçam expostas a invasões e arrendamentos clandestinos.


