Gaeco denuncia esquema que desviava milhões com notas frias, propinas em envelopes e até licitações forjadas após ação do TCE/MS
Mesmo com a operação Malebolge e o cerco do Tribunal de Contas do Estado (TCE/MS), a quadrilha instalada na Prefeitura de Água Clara continuou fraudando contratos públicos. Conforme o Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado), os integrantes ignoraram as investigações e mantiveram o esquema, inclusive com novos golpes.
O grupo era altamente organizado. Cada envolvido tinha uma função, usava linguagem cifrada e até familiares ajudavam na manipulação de licitações. A empresa mais beneficiada era a Zellitec, de Mauro Mayer da Silva, que contava com apoio direto de servidoras da Secretaria de Educação para fraudar processos e simular entregas de alimentos.
Kamilla Zaine dos Reis Santos Oliveira, por exemplo, validou a entrega de mais de 12 toneladas de carne e 2,6 mil litros de leite em apenas um dia, sem qualquer comprovação. Já em dezembro, com o ano letivo encerrado, Ana Carla Benette atestou quase 5 toneladas de carne que sequer foram entregues ou estavam impróprias para consumo.
Em uma conversa interceptada, Ana Carla revela ter recebido propina e pede mais dinheiro a Mauro Mayer, dizendo que queria vender o carro e quitar a casa. A mensagem expõe como a propina era usada para fins pessoais.
Mesmo aposentado, Adão Celestino Fernandes controlava empresas em nome de laranjas e familiares. Ele simulava concorrência e decidia quais empresas venceriam as licitações. A ex-secretária de Educação, Adriana Fini, permitia a atuação livre de Ana Carla e Jânia Alfaro Socorro. Adriana ainda usava dinheiro da propina para despesas pessoais e eleitorais.
Denise Medis, ex-secretária de Finanças, desviava verbas de outras áreas para pagar notas frias da Zellitec. Ela também foi flagrada com dinheiro em espécie em sua gaveta. Já Ícaro Nascimento, sócio de Mauro, ajudava a burlar licitações, orientava o uso de aplicativos criptografados e articulava pagamentos indevidos.
O grupo chamava a propina de “encomenda”. Mauro ou seus intermediários, como Valmir Deuzébio e Leonardo Machado, entregavam os valores. Um áudio mostra Mauro instruindo: “Embaixo do notebook tem um monte de envelope com vários nomes. Pega o da Jânia.”
Jânia recebia os valores até em estacionamentos de Campo Grande e apagava mensagens logo após as conversas. Ela e Leonardo participavam do grupo de WhatsApp “Diretoria”, usado para coordenar todo o esquema. Valmir, além de entregador, era técnico de confiança e conhecia toda a operação.
A filha de Jânia também atuava nos bastidores, mesmo sem ser denunciada. Ela avisava sobre novas licitações e comemorou com a mãe a vitória da Zellitec no pregão de 2025. “Mauro ganhou a merenda sozinho inteirinha”, escreveu.
Quando o então vereador Alfredo Alexandrino flagrou a entrega de alimentos estragados, servidores tentaram inverter a situação. Kamilla e funcionários da empresa registraram um boletim contra o parlamentar, mas a Polícia concluiu que a denúncia era falsa.
O Gaeco destaca que o grupo mantinha um nível elevado de organização. As fraudes envolviam notas manipuladas, propinas mensais combinadas, arquivos apagados e integração entre o setor público e empresas privadas.
Foram denunciadas dez pessoas: Adão Fernandes, Adriana Fini, Ana Carla Benette, Denise Medis, Ícaro Nascimento, Jânia Alfaro, Kamilla Zaine, Leonardo Machado, Mauro Mayer e Valmir Deuzébio. O Ministério Público pede uma indenização mínima de R$ 22 milhões — metade por danos ao erário e metade por danos coletivos.
A reportagem tentou contato com todos os envolvidos desde a manhã desta terça-feira, mas não obteve retorno.